domingo, 16 de agosto de 2009

200 anos da imprensa brasileira: Correio Braziliense e Hipólito da Costa

Por Lília Diniz em 11/6/2008

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (10/06) pela TV Brasil comemorou o bi-centenário do primeiro jornal do país, o Correio Braziliense. Impresso em Londres pelo jornalista Hipólito da Costa, o periódico circulou de 1808 a 1822, um período de profundas transformações na estrutura sócio-política do Brasil. Perseguido pela Inquisição, hoje Hipólito é o patrono dos jornalistas e da cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Participaram do programa ao vivo a historiadora Isabel Lustosa, no estúdio do Rio de Janeiro, e o escritor e professor Antônio Costella, em São Paulo.

No editorial que precede o debate ao vivo, Alberto Dines questionou a razão de a imprensa não ter valorizado os 200 anos do Correio: "Que pecado cometeu Hipólito da Costa para ser esquecido numa data tão gloriosa? O que há de errado na sua biografia para incomodar tanto os donos da verdade? Só porque era maçom, só porque combateu a censura e a Inquisição, deve Hipólito ser condenado ao esquecimento?". O jornalista ressaltou que as duas exceções foram a Folha de S.Paulo e o Correio Brasiliense do Distrito Federal.

Também antes do debate, Dines comentou os fatos de destaque da semana. A estréia da jornalista Lílian Witte Fibe como âncora do programa Roda Viva, da TV Cultura, foi o primeiro tema da seção "A mídia da Semana". Em seguida, o foco foi o papel da imprensa no monitoramento dos candidatos nas próximas eleições municipais. Para finalizar, Dines analisou a falta de continuidade da cobertura esportiva e o mote do comentário foi a polêmica do último jogo do Vasco da Gama contra o Cruzeiro.

A primeira grande missão de Hipólito

A reportagem exibida antes do debate ao vivo mostrou que Hipólito da Costa nasceu na colônia de Sacramento, uma povoação portuguesa que hoje pertence ao Uruguai, em 1774 e era filho de fazendeiro. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, em 1798. O diplomata e cientista político Paulo Roberto Almeida explicou que D. Rodrigo de Souza Coutinho, então ministro de D. João VI e futuro Conde de Linhares, encarregou Hipólito da Costa de uma missão que marcou a vida do jornalista: uma longa viagem de prospecção industrial e agrícola aos Estados Unidos.

O objetivo era recolher espécies e modelos e enviar relatórios a Portugal. O projeto tinha aspectos secretos, como a missão de recolher amostras da cochonilha, um inseto usado no processo de tingimento. Além da Filadélfia, onde passou a maior parte dos dois anos, Hipólito também conheceu Washington e Nova York.

Hipólito da Costa escreveu um relato desta "viagem antropológica aos Estados Unidos", como definiu Paulo Roberto Almeida, o Diário da Minha Viagem para a Filadélfia. No livro, o jornalista tratou de assuntos como o sistema bancário americano, eleições, indústria, especulação financeira, democracia e liberdade de culto. Também se deteve sobre temas mais amenos, como festas, mulheres e cavalos. Para o jovem Hipólito da Costa, educado em Coimbra, o comportamento do presidente americano parecia "grosseiro" e as festas locais, "caipiras". Hipólito conheceu um mundo completamente diferente do Europeu.

O relato do jornalista, o primeiro americanista brasileiro, é "atual" na opinião de Paulo Roberto Almeida. Provavelmente, foi nesta viagem que Hipólito da Costa foi iniciado na maçonaria e teve o primeiro contato com idéias liberais. "Foi uma espécie de mestrado prático que ele fez", analisou o diplomata. Neste período, conheceu as idéias do pensador e jornalista americano Benjamin Franklin e solidificou suas convicções democráticas e liberais.

A Inquisição persegue Hipólito

Nomeado em 1801 para a Imprensa Real, Hipólito fez uma viagem oficial à Inglaterra e França. Quando retornou, foi preso, acusado de disseminar a maçonaria. Passou três anos nos cárceres da Inquisição. Fugiu para Londres em 1805, onde conheceu o duque de Sussex, filho do rei da Inglaterra e também maçom. Hipólito foi protegido por ele quando os portugueses pressionaram o governo britânico para que o jornalista fosse repatriado. Londres era uma espécie de metrópole universal do século XIX. Hipólito da Costa conviveu com diversos líderes latino-americanos como Simon Bolívar, Francisco de Miranda e San Martín.

Em 1811, Hipólito publicou o livro Narrativa da perseguição, sobre o cárcere e os procedimentos da Inquisição portuguesa. Na obra, expôs o regimento do Santo Ofício, até então inédito. Demonstrou indignação com a existência de um tribunal com o poder de prender e processar pessoas por culpas que não existiam no código criminal da nação.

Longe da censura dos reinos de Portugal, lançou o Correio Braziliense, em 1º de junho de 1808. Paulo Roberto Almeida considera Hipólito da Costa como "o primeiro jornalista absoluto". Um cronista identificado com as novas idéias iluministas. Ao relatar o que ocorre em Portugal, na Europa e no Brasil, elabora uma crônica dos eventos correntes. Paulo Roberto Almeida aconselha que os jovens jornalistas leiam a "Introdução" do primeiro volume do Correio Braziliense. Para ele, a mensagem de compromisso com a verdade e de defesa da liberdade que o Hipólito passa deve nortear a profissão: "Ele era um jornalista de sete instrumentos".

A historiadora Tereza Cristina Kirshner afirmou que Hipólito foi crítico da administração do governo português. Censurava a inércia dos ministros e a corrupção, mas sempre poupou a figura do soberano. As reformas deveriam se conduzidas pela monarquia, e não pelo povo.

Um Armazém Literário em 175 edições

O público do Correio era restrito, cerca de quinhentos assinantes. De circulação mensal, tinha o formato de um livro, com cerca de 100 páginas. Dedicava-se ao jornalismo interpretativo e tinha como subtítulo Armazém Literário. No jornal, Hipólito defendia a liberdade de imprensa, segundo o modelo liberal inglês. Difundia os avanços da ciência e novas idéias culturais e artísticas. Brasileiros e portugueses podiam acompanhar pelo Correio fatos internacionais, tomar conhecimento de teorias iluministas e de novos conceitos de economia. O fim da Inquisição, da escravatura e da censura eram defendidos por Hipólito da Costa no jornal.

Paulo Roberto Almeida comentou que Hipólito da Costa agia como um jornalista moderno ao dividir o periódico em seções de economia, política, ciências, cultura e curiosidades. O jornal também publicava as cotações dos produtos brasileiros na bolsa de valores de Londres e por isso era essencial para o comércio da época. Hoje, historiadores podem usá-lo como fonte primária para pesquisa do período.

Por que Correio Braziliense e não "Correio Brasileiro"?

O professor emérito da UFF e integrante da Academia Brasileira de Letras, Domício Proença Filho, analisou a escolha do sufixo "ense" o lugar de "ano" ou "eiro". "Brasileiro" era o termo usado para designar os comerciantes de pau-brasil no início da colonização e o mais comum para designar os habitantes do país no século XIX. Ao optar por "Braziliense", Hipóltio talvez quisesse marcar uma diferenciação, pois o sufixo empregado era mais erudito.

No debate ao vivo, Dines perguntou à Lustosa porque Hipólito da Costa é "injustiçado" pela História. Lustosa explicou que o jornalista foi reconhecido como "uma força política e intelectual" ainda em vida, mas que enfrentava grande oposição. Polêmico e prestigiado, Hipólito foi protegido pelo conde de Linhares, mas depois se distanciaram, provavelmente na época em que Hipólito esteve preso pela Inquisição. Em Londres, o jornalista aproximou-se do futuro marquês de Funchal, irmão de Linhares, mas posteriormente também romperam. "A História tem ondas", disse.

Antônio Costella acredita que a apatia da mídia no bi-centeário da imprensa está ligada ao "deslumbramento" que houve durante a comemoração dos 200 anos da vinda da família real para o Brasil, em março deste ano. Outro fator que teria contribuído, na opinião de Costella, foi a falta de informação dos jornalistas sobre Hipólito. Para ele, é fundamental relembrar a vida do jornalista. Costella foi amigo de um dos primeiros biógrafos de Hipólito da Costa, o pesquisador Carlos Rizzini. O escritor afirmou que a paixão de Rizzini pela vida do biografado o contagiou.

Rizzini começou a pesquisa sobre o tema para a obra O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, editada na década de 1940, quando poucos dados da vida e obra do jornalista eram conhecidos. Em seguida, o pesquisador adquiriu uma coleção do Correio: "Rizzini reencontrou e encontrou um Hipólito da Costa que não conhecia. O jornalista além do que estava escrito no Correio Braziliense", afirmou Costella. Na década de 1950, Rizzini conheceu Gastão Nothman, adido do Brasil em Londres, que preencheu diversas lacunas sobre a vida de Hipólito da Costa e também foi contagiado pelo interesse na vida do patriarca da imprensa. Gastão localizou os herdeiros de Hipólito e diversos arquivos e documentos.

Isabel Lustosa explicou que Hipólito da Costa fez parte de um grupo que pretendia construir uma grande nação. Assim como outras personalidades da época, como José Bonifácio, imaginava um império luso-brasileiro. O fato de ambos terem vivido fora do país teria contribuído para que pudessem vislumbrar essa possibilidade, classificada por ela como "utópica". Lustosa ressaltou que o jornalista passou muitos anos fora do Brasil, mas que escreveu continuamente sobre o país durante 14 anos. Para ela, Hipólito da Costa "idealizou e pensou o Brasil". Influenciado pelo reformismo ilustrado, pretendia manter as bases da monarquia, mas "iluminar a estrutura". Já em 1822, Hipólito da Costa pretendia preservar a unidade do Brasil.

O poder da maçonaria

Antônio Costella explicou que a maçonaria iniciou suas atividades no Brasil no século XVIII e que sua ideologia estava ligada ao liberalismo econômico e à garantia das liberdades individuais. No Brasil e em Portugal, a maçonaria funcionava como um "partido" ligado aos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa. A maçonaria teria sido uma espécie de "gestora" da Independência do país. Figuras importantes para o processo de emancipação como José Bonifácio e Gonçalves Ledo tinham ligação com a sociedade secreta. "Não se pode escrever a história da Independência do Brasil sem se reportar à maçonaria", disse.

Hipólito da Costa morreu em 1823, depois de ser convidado para ser cônsul do Império Brasileiro em Londres. Só em meados do século XX foi reconhecido como o primeiro jornalista brasileiro. Em 2001, seus restos mortais foram transladados para o Brasil e, hoje, se encontram no Museu da Imprensa, em Brasília.

Hipólito José da Costa - UM MAÇOM BRASILEIRO QUE FOI GRÃO-MESTRE PROVINCIAL NA INGLATERRA

Autor:Ir WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO 33

O Correio Braziliense de 06 de janeiro de 2001 estampou a seguinte notícia: “MISSÃO EM LONDRES Por ocasião de sua viagem a Londres, onde estará entre os dias 27 e 30 de março, o presidente Fernando Henrique Cardoso prestigiará à solenidade de traslado dos restos mortais de Hypólito José da Costa para o Brasil.

NO PANTEÃO - O embaixador Sérgio Amaral, pessoalmente, conduziu todo o processo de homenagens ao fundador do primeiro jornal brasileiro na capital britânica – o Correio Braziliense -, atendendo a um desejo do presidente dos Associados, Paulo Cabral de Araújo. A intenção é colocar os restos mortais de Hypólito José da Costa no Panteão da Liberdade, na Praça dos Três Poderes”.

No dia 14 de janeiro replicou com a seguinte informação: “Patrono de volta­ Conforme esta coluna noticiou em primeira mão, o presidente FHC e o nosso presidente Paulo Cabral estarão em Londres no fim de março para o traslado dos restos mortais de Hypólito José da Costa. Com o decisivo apoio da embaixada do Brasil, a Fundação Assis Chateaubriand dá os passos finais para a transferência, para Brasília, dos despojos do Patrono da Imprensa Brasileira e fundador, em Londres, do Correio Braziliense, em 1808.

Eles serão colocados em herma própria e sacralizada nos jardins do Museu da Imprensa, pertinho da sede do Correio Braziliense. A cerimônia está prevista para o dia 21 de abril, data da fundação da Capital Federal e do início de circulação do principal jornal da cidade. Grande e belo desafio!”.

Trata esse artigo de realçar alguns aspectos, um tanto quanto desconhecidos, da figura de Hipólito José da Costa como um maçom que lutou pela Independência do Brasil. A maçonaria brasileira, especialmente o Grande Oriente do Brasil, tem a obrigação de retirar do pó dos seus arquivos, os traços desconhecidos desse grande maçom brasileiro e apresentá-lo, em toda sua inteireza e pujança, para as atuais e as futuras gerações da nação. O momento é mais do que apropriado para tal empreitada.

Baseia-se o presente esboço biográfico em notas de um livro que João Nery Guimarães estará publicando brevemente, pela editora do Grande Oriente do Brasil, e do livro de José Luiz de Moura Pereira sobre essa gigantesca figura maçônica.

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça nasceu na antiga Colônia do Sacramento em 25 de março de 1774. Filho de Félix da Costa Furtado de Mendonça, brasileiro, natural de Saquarema, da província do Rio de Janeiro e de Ana Josefa Pereira, natural da própria Colônia.

Com os constantes tratados entre portugueses e espanhóis, a família mudou-se para o Rio Grande de São Pedro quando da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777. Hipólito cursou as primeiras letras em Porto Alegre, sendo muito influenciado pelo seu tio, o padre Pedro Pereira Fernandes de Mesquita, de gênio irascível, que o preparou para prestar o vestibular em Coimbra.

Em 29 de outubro de 1792, com 18 anos de idade, matriculou-se na Faculdade de Matemática e, ainda no mesmo mês, na Faculdade de Filosofia da Universidade Coimbrã. A 18 de outubro do ano seguinte, ingressou na Faculdade de Direito, onde se formou em 5 de junho de 1798, com 24 anos de idade.

Em Coimbra, Hipólito recebeu o impacto da profunda reforma universitária, realizada pelo Marquês de Pombal e por Verney. Após três meses de formado, em plena viradeira do reinado de D. Maria I, foi nomeado por D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares e Ministro da Rainha, para uma missão nos Estados Unidos da América.

Hipólito embarcou para os Estados Unidos a 16 de outubro de 1798 na corveta William, chegando à Filadélfia, após 59 dias de viagem, em 13 de dezembro de 1798. Viveria durante dois anos num país completamente diferente do seu, recebendo em cheio o impacto das idéias maçônicas, provenientes da França e da Inglaterra, nos recém- libertos Estados Unidos. Freqüentou os meios profanos e maçônicos de Filadélfia. Tudo leva a crer que teria sido iniciado maçom no dia 12 de março de 1799 na loja George Washington nº 59 aos 25 anos de idade.

A missão de Hipólito nos Estados Unidos tinha algo de secreto e estava no domínio da espionagem, pois teria de observar as novas técnicas implantadas pela nova república nas Américas e conseguir, no México, o inseto e a planta da cochonilha para levá-los a Portugal, burlando a vigilância da alfândega espanhola que proibia, terminantemente, a exportação de tais itens. A cochonilha é um inseto que deposita seus ovos nas plantas e depois morre, ficando a carapaça para proteger os ovos. A cochonilha do Nepal fornece um colorante, o carmim, muito usado na época, especialmente no rosto das mulheres vaidosas, o famoso rouge dos franceses; outras espécies produzem a goma-laca, conhecida dos Astecas e aproveitada pelos espanhóis. A cochonilha foi conseguida mas não alcançou Portugal, dado o inverno e o longo tempo a bordo nos lentos veleiros daquela época. Além da cochonilha, as ordens de D. Rodrigo incluíam a espionagem de minas de ouro e de prata no México e seus respectivos métodos de exploração.

Quanto aos Estados Unidos, teria que apresentar relatórios sobre os seguintes assuntos: o cultivo de tabaco, arroz, cana de açúcar, como também a produção de minérios, a pesca da baleia e outras indústrias ou projetos de engenharia, especialmente os de hidráulica, navegação dos rios e de máquinas desconhecidas na Europa e que pudessem ser utilizados na economia portuguesa.

Hipólito escreveu três monografias e seis cadernos de observações que foram entregues pessoalmente a D. Rodrigo. Alguns relatórios ficaram esquecidos por mais de 150 anos e foram recuperados na biblioteca de Évora por Alceu de Amoroso Lima em 1955 e publicados pela Academia Brasileira de Letras.

Hipólito, na América do Norte, não se restringiu à capital dos Estados Unidos – Filadélfia – pois atravessou o Estado de Nova Iorque, visitou Montreal, no Canadá, Ontário, o lago Erie, a cachoeira do Niágara, Vermont, New Hampshire, Massachussets, Rhode Island e Connecticut. Na sua prolífica missão, escreveu sobre o bicho da seda, o método de construir pontes de madeira, de um só arco, a febre amarela, a higiene pública, as causas de doenças endêmicas e a força naval americana.

Em 1º de janeiro de 1799 foi apresentado ao Presidente John Adams, apreciando a simplicidade com que esse tratava as pessoas, tão diferente da etiqueta da monarquia portuguesa. Um diplomata espanhol também apresentou Hipólito a Thomas Jefferson, tendo, inclusive, jantado ambos na casa deste, na Filadélfia.

O seu círculo de relações políticas incluíam, ainda, as relações oficiais com Timothy Pickering, secretário de Estado; Oliver Walcott, que sucedeu Alexander Hamilton, como secretário do Tesouro americano.

Relacionou-se também, com vários emigrados franceses, pois existiam mais de 2500 naquela época em Filadélfia, fugidos primeiramente do Terror e posteriormente de Napoleão Bonaparte, entre os quais um Colbert, descendente de Jean-Baptiste Colbert, ministro de Luís XIV; com Lefébure de Cheverus, futuro bispo de Boston e mais Olive e Mourque. Mecenas Dourado, um dos biógrafos de Hipólito, chega a afirmar que esse último francês teria apresentado Hipólito à Arte Real em Filadélfia, pois Mourque era filho da Viúva.

Hipólito escreveu um Diário durante sua estada na América do Norte, extremamente minucioso, porém, jamais tocou no assunto sobre sua iniciação em 12 de março de 1799 na Loja George Washington. Teve, talvez, receio da Inquisição que perseguia os pedreiros-livres em Portugal e que haveria de ter, no futuro, conseqüências funestas sobre sua vida, pois foi hóspede compulsório da “dita cuja”, Hipólito José da Costa teria pedido demissão da respectiva Loja pouco tempo depois. Os arquivos referentes ao ano de 1799 daquela Loja não mais podem ser consultados pois, lamentavelmente, um incêndio os destruiu em 1819. Os relatos de Hipólito e Coustos são peças clássicas da maçonaria universal no tocante à perseguição da Inquisição sobre os maçons nos primórdios do século XIX. Abundam, contudo, diversas citações sobre a Framaçonaria como Hipólito a chamava:



“...na Aurora de Filadélfia de hoje (19/04/1799) vinha uma

publicação das Lojas dos Framaçons que cortei e guardei

como curiosa...”



“um francês, Mr. Mourque, me emprestou hoje (23/07) um

livro em inglês, onde vem transcrita toda a maçonaria, pa-

lavras, sinais etc”.



“a 1º de agosto conversei com um português da Ilha da Ma-

deira que, perseguido por ser framaçom, fugiu para a Amé-

rica, aí se estabelecendo. Quando chegou ao porto de Nova

Iorque, onde não conhecia ninguém e a precipitação com

que fugira, não lhe deu lugar nem a trazer uma carta de re-

comendação, arvorou uma bandeira branca com estas letras

azuis – Azilum querimus -, pelo que quase todos os pe-

dreiros-livres de Nova Iorque foram a seu bordo, recebendo-

o depois e tratando-o com aquela hospitalidade que caracte-

riza esta sociedade”.



“...no dia 21 de agosto assisti o enterro do capitão de arti-

lharia Thomas Weaver, com as honras militares e da maço-

naria ou pedreiros-livres”.



“...no dia 07 de setembro, visitei, em Providence, entre ou-

tros edifícios, o do mercado, em cujo segundo andar há uma

loge de pedreiros-livres, que tem as suas armas e insígnias

em ambas as extremidades do edifício”.



“... em 11 de setembro, visitei Bunker Hill, onde se deu a pri-

meira batalha na revolução da América e aí achei uma pirâ-

mide com as armas dos pedreiros-livres em cima, e com a

inscrição que devia ser erigida pela loje dos pedreiros-livres,

em memória do general Dr. Joseph Warren”.





Hipólito retornou a Portugal no final de 1800. Lá, D. Rodrigo de Souza, que era ligado ao partido inglês, tinha fundado a Casa Literária do Arco do Cego, uma tipografia que, suprimida em 7 de dezembro de 1801, foi incorporada à Imprensa Régia. Hipólito, como diretor literário nomeado da Imprensa Régia, decidia o que seria publicado, revisava os textos e publicava artigos diversos.

Em abril de 1802, D. Rodrigo, então ministro da Marinha e Ultramar, mandou-o a Londres para comprar livros, destinados à Biblioteca Pública e máquinas para a Imprensa Régia. A ida a Londres também possuía outro objetivo: estabelecer contato com e reconhecimento da Maçonaria inglesa no tocante à sua congênere portuguesa.

Dos contatos com os principais próceres da Maçonaria portuguesa e sendo um homem acatado pela suas posição e cultura, Hipólito apareceu, em 12 de maio de 1802, às portas da Premier Grande Loja e foi recebido como plenipotenciário de quatro lojas portuguesas que desejavam erigir uma Grande Loja Nacional em perfeita amizade com a Grande Loja dos Modernos.

Sabe-se que os contatos de Hipólito lograram êxito, sendo, o fato, confirmado por William Preston, seu contemporâneo, colega de loja e autor da obra clássica, “Illustrations of Masonry “(1812, pg. 375).

As intrigas em Portugal, por causa de sua viagem a Londres, campeavam soltas. Avisado de que seria preso se regressasse a Portugal, Hipólito fez ouvidos moucos. Assim aconteceu no final de junho de 1802, ao regressar a Lisboa. Prendeu-o José Anastácio Lopes Cardoso, corregedor de crime da Corte, o qual tinha instruções de Pina Manique, chefe de polícia, no sentido de procurar insígnias ou papéis que comprometessem o brasileiro. Colocado em segredo na cadeia do Limoeiro, nela permaneceu seis meses, sendo, depois, transferido para os cárceres da inquisição, de onde seria arrancado , depois de três anos, pela Maçonaria, com a compra de guardas e a intervenção dos Irmãos José Liberato e Ferrão.

Ao sair da prisão, Hipólito refugiou-se na casa do Irmão Barradas e no convento de São Vicente de Fora, para ser, depois, entregue aos cuidados dos Irmãos Rodrigo Pinto Guedes e José Aleixo Falcão. Somente depois de um ano, em 1805, é que conseguiria escapar para o Alemtejo, como criado do Irmão desembargador Fillipe Ferreira. Posteriormente alcançou a Espanha, dirigindo-se, depois, à Inglaterra, onde acabou vivendo 18 anos até a sua morte em 1823. Lá radicado, exerceu as funções de professor, tradutor, jornalista, impressor além de ativista político e maçônico.

Em Londres, participou de várias lojas maçônicas. Tanto assim que em 1807 foi membro da Loja das Nove Musas e, em março de 1808, ingressou na Loja Antiquity, cujo Venerável Mestre era o Duque de Sussex. Chegou a ser Mestre Adjunto (Deputy Master) em 1812/ 13 quando o duque era Venerável, ou seja, na ausência do duque presidia as sessões. Consta, ainda, ter sido um dos fundadores da Loja Royal Invernes, em 1814.

Foi muito chegado ao Duque de Leister e amicíssimo de Augustus Frederick, Duque de Sussex, um dos filhos de Jorge III, primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra, desde sua criação em 1813 até 1843, quando veio a falecer. O duque, que conhecera Hipólito nas primeiras andanças maçônicas dele por Londres, passou uma temporada em Lisboa, já que por ali, andou semi-exilado para esquecer os seus casamentos morganáticos. O duque de Sussex, quando retornou à Inglaterra em 1813, foi nomeado Grão-Mestre Adjunto dos Modernos, sucedendo ao seu irmão – o Príncipe de Gales – como Grão-Mestre dos Modernos. Por ocasião da fusão, tornou-se como Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra, tendo seu irmão – o Duque de Kent, grão-mestre dos Antigos - como Grão-Mestre Adjunto. Após a derrota de Napoleão, a monarquia inglesa unificou sua maçonaria para melhor dominar o mundo de então. O duque de Sussex exerceu imensa influência sobre os destinos da maçonaria em seu tempo de grão-mestrado e teve, como seu secretário particular, o ‘nosso’ Hipólito que também participou ativamente, até a sua morte em 1823, de todos os mais íntimos segredos da fusão maçônica de 1813. Foi, também, membro da Loja de Promulgação (dos novos rituais) em 1809/1811, da Loja de Reconciliação 1813/1816, do Corpo de Mestres Instalados que existia na Grande Loja dos Antigos, mas inexistente nos Modernos. As mais recentes pesquisas maçônicas inglesas descobriram manuscritos de HJC sobre a elaboração dos novos rituais que resultaram na união das duas Grandes Lojas rivais.

John Hammil chega a dizer que “H.J. da Costa, um homem de grande importância na história da Independência e da cultura do Brasil, e como se descobriu recentemente, de não menos importância no desenvolvimento de nossos rituais imediatamente antes e depois da União de 1813” (AQC, 92:50). Estão sendo encontrados diversos manuscritos de HJC sobre rituais pré e pós-União das Grandes Lojas na Inglaterra. Existem ainda algumas raríssimas versões, editadas e manuscritas, do Syllabus de William Preston pertencentes HJC. Existem ainda algumas raríssimas versões, editadas e manuscritas, do Syllabus de William Preston. A mais antiga e a mais rara pertenceu a HJC (AQC, 81:145). Tais versões encontram-se guardadas na seção de obras raras da biblioteca da Grande Loja Unida da Inglaterra.

Hipólito era tão íntimo do duque que chegou a ser nomeado por ele, Secretário para Assuntos Estrangeiros da Freemanson’s Hall, Presidente do Conselho de Finanças da Grande Loja de 1813 até a sua morte em 1823 e Grão-Mestre Provincial de Ruthland, apesar da inexistência de lojas nessa província. O duque foi padrinho de seu casamento em 1817 e liderou uma petição para a construção de um monumento em sua homenagem a ser construído na Igreja de Hurley em Maidenhead. HJC era membro ativo do Royal Arch e acredita-se que tenha sido exaltado numa loja ligado aos Antigos. Assim, quando o duque foi ins9talado como First Grand Principal em 1810, HJP era um dos dois nomeados para examiná-lo no Royal Arch. Em 1819, o Supremo Conselho de França para o REAA conferiu, por patente, o grau 33 para ele e o duque.

Em 1955, Gastão Nothmann, a pedido do biógrafo de Hipólito, Carlos Rizzini, descobriu o túmulo de HJC na Igreja de St. Mary, na paróquia de Hurley, Berkshire, perto de Londres e onde existem duas lápides: i) uma com os seguintes dizeres da autoria do duque de Sussex e mandada colocar pelo próprio: “À sagrada memória do Comendador Hipólito José da Costa que faleceu no dia 11 de setembro de 1823 com a idade de 46 anos. Um homem distinto pelo vigor de sua inteligência e seu conhecimento na ciência e na literatura quanto pela integridade de suas maneiras e caráter. Descendia de uma nobre família no Brasil, e neste país residiu nos últimos 18 anos, durante os quais produziu numerosos e valiosos escritos que difundiu entre os habitantes desse vasto Império pelo gosto de úteis conhecimentos, com amor pelas artes que embelezam a vida e amor pelas liberdades constitucionais fundadas na obediência às leis salutares e nos princípios de mútua benevolência e boa vontade. Um amigo que conhecia e admirava suas virtudes e que as registra para o bem da posteridade”; ii) a outra dos familiares: “Sob esta lápide estão depositados os restos do corpo do Comendador Hipólito José da Costa, Encarregado dos Negócios do Imperador do Brasil, que faleceu no dia 11 de setembro de 1823, com a idade de 46 anos”.

Tinha, em seu exílio londrino, estreitas vinculações com maçons famosos, seja William Preston, ex-Venerável da Antiquity e autor do clássico Ilustrações da Maçonaria (Illustrations of Masonry) em que HJC é citado como plenipotenciário em Londres para regularizar as Lojas portuguesas. Com o concurso de Hipólito, em 1812, seria iniciado na Maçonaria o brasileiro Domingos José Martins, brasileiro com firma comercial em Londres, que viria a ser o chefe da Revolução Pernambucana de 1817.

Seu exílio em Londres não o fez esquecer o Brasil e a luta pela Independência, antes pelo contrário, acirrou o seu fervor de luta, tanto assim que a sua mais importante obra, todavia, foi a criação, em 1808, do CORREIO BRASILIENSE, ou ARMAZÉM LITERÁRIO, cuja publicação só seria interrompida em 1823 e que chegou a ter uma tiragem de 1000 exemplares em média. Este jornal não foi, apenas, o primeiro órgão da imprensa brasileira, ainda que publicado no Exterior, mas, principalmente, o mais completo veículo de informação e análise da situação política e social de Portugal e do Brasil, naquela época, com a preconização de uma verdadeira reforma de base para o nosso país. Bateu-se pela necessidade da construção de uma rede de estradas, pela utilização de matérias primas na fabricação de manufaturas - proporcionando formação e expansão do mercado interno - pela abolição da escravatura, pela transferência da Capital do país para o interior, perto de onde hoje se situa Brasília, e pela adoção de uma política imigratória, que aproveitasse, de preferência, artesãos e técnicos, ao invés da mão-de-obra não qualificada.

No Correio Braziliense, vergastava não só os erros e abusos da administração portuguesa na sua maior colônia como também em Portugal. Atacava com veemência a corrupção que grassava entre aqueles que dirigiam o Império Português, com exceção de uma só pessoa: D. João VI. Essa exceção e a carta que o Duque de Sussex mandou ao monarca português serviram para criar uma aura de simpatia do Rei para com seu súdito no exílio.

Apesar disso, o Correio Braziliense teve uma fase em que entrava no Brasil como se contrabando fosse, e era vendido na loja do comerciante inglês J. J. Dodsworth, um dos ascendentes de Henrique Dods-worth, prefeito do Rio de Janeiro em 1945.

Graças à saga do Correio Braziliense, HJC passou à História como “O PATRIARCA DA IMPRENSA BRASILEIRA” e habita a memória nacional como uma de suas mais luzentes figuras.

As três obras maçônicas raríssimas de HJC – Cartas sobre a Framaçonaria, Narrativa da Perseguição de Hippolyto Joseph da Costa Pereira Furtado de Mendonça, Natural da Colônia de Sacramento, no Rio da Prata, prezo e processado em Lisboa pelo pretenso crime de Framaçon ou Pedreiro-Livre e Esboço para a História dos Artífices Dionisíacos – foram traduzidas por João Nery Guimarães e serão editadas brevemente pelo Grande Oriente do Brasil numa edição comemorativa sobre o grande brasileiro.




BIBLIOGRAFIA

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COSTA, Hipólito José da, Narrativa da Perseguição, UFRS, Porto Alegre, 1974.

GUIMARÃES, João Nery, Obras Maçônicas de Hipólito José da Costa- Homenagem ao Segundo Centenário de sua Iniciação [no prelo da Gráfica e Editora do Grande Oriente do Brasil].